sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Infiel

Dentro dos muros da medina
Desrespeitou a tradição
Abriu a lata de bebida
E brindou à tentação

(tssssss)

Barcelona


Colorida e quente
Com alegre correria e gente...
Por que te tornei assim
Monocromática e fria
Quando menti
Naquela fotografia?


Penúria

Um centavo, por favor.
(Roupa imunda, mau odor)
Pediu-me um dihan,
Em péssimo francês;
Quando na miséria
A gramática não tem vez.

Djemaa el-Fna



Entre serpentes e temperos
Caminhei, estupefato,
Temendo gafe e pecado
Em ansioso desespero

Em teus olhares me perdi
Diversos enegrecidos cílios
Atrás de burcas e empecilhos
Que, assim, não conheci

Na maior praça da África
Laranja, porco e poeira
Do chão ao céu havia

Adobe, mistério e história
Que religião é essa tua
De desassossego à brasileira?

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Esquecimento

Lembro-me do teu riso
E com ele, das tuas rugas
Tão vis, demonstram fugas
Da tua história sem juízo

Lembro-me do teu olhar
De cigana filha da puta
De atitude hostil e astuta
Que vi dos olhos num piscar

E sobreveio esquecimento
Página lida e virada
Tua gargalhada de felicidade

Cujo som me dava saudade
Já é música esquecida
Nas entranhas do lamento.



Quem é musa

Essa ardilosa moça pensa
Que minha arte é para ela
Que quando faço uma tela
É nela em que tenho crença

Ah, moça tão ambiciosa
Interpreta todos os versos
Como se seus fossem, certos
Independente do tipo de prosa

Mania de todas as musas
De levar ao pé da letra
Toda singular palavra

Sem saber que a pá que lavra
E que nos versos penetra
Não é a mesma que ela usa.


Vinho

A gente era um vinho bom
Fino tinto seco: frutado
Sabor forte, encorpado
Cabernet Sauvignon

Garrafa veio fechada, assim:
Safra 2011, boa colheita
De tantas vinhas, a eleita
Foste tu, e de ti, a mim

Inventamos de nos abrir
Sair, imprudentes, da adega
E tu de mim te embriagaste

Do sabor travoso gostaste
E ficamos ébrios, às cegas
Quando a garrafa teve fim.

Oi, disse ela.

Oi, ela disse, e então dançou
Rodopiou, deu-lhe um beijo
No ouvido, batom vermelho
Pegou sua mão e o abraçou

Ele sorriu, em resposta
Mão agilmente na cintura
Ela, sem pudor ou candura
Pisca o olho, dá as costas

E vai, então, embora
Cessa o seu rodopio
Olhar furtivo, fly away

Cala a boca, sem um pio
O que quer? Não sei.
Vai voltar? Demora?

domingo, 5 de maio de 2013

Ocaso

Deita-se o sol sobre o azul lençol do mar:
Dá a gaivota o seu sobrevoo terminal
Despede-se do horizonte e do calor
A despedida dá uma saudade, uma dor!
Mas amanhã há de novo, não faz mal
Faz bem demais o pôr-do-sol amar!

Soneto do Porto

Vejo-te como num sonho distante:
É nostalgia, vontade da tua brisa fria,
Do teu cheiro de mar e rio que inebria,
Do som do fado, do vinho, da ponte.

Tenho-te como um lar de outra vida
Onde tive mãe e pai, amigos, história
Lembro-me das tuas ruas e da tua glória
És do coração uma cidade querida

Certo dia visitarei a Ribeira, a Foz...
Tomarei um saboroso porto rubi
Eu e tu, Porto, a sós

Andarei nos Aliados, sentirei teu jeito
Da primeira vez, não sei por que parti!
Mas agora partirei satisfeito.

Esfinge

Decifro-te, ou me devoras, esfinge:
Mas és tão indecifrável!
Esta tua timidez, inquebrantável,
É quebra-cabeça complicado deveras...

Teu silêncio é brisa que arrebata:
No âmago de tua avassaladora ingenuidade,
Receio dizer-te, é verdade
Que reside a essência de minha insegurança.

Toco tua mão, infinita maciez
E, sem saber o que pensas,
Firo-me profundamente:

É sim, não, talvez...?
Não sei é acidente, ou se tu mesma tentas
Agredir-me tão fortemente a mente!