quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A cereja e a caneta

Certa vez perguntou a caneta à cereja:
O que aflige tua doce vermelhidão?
Aflige-me a falta de expressão.
Aflige-me a ausência de um verso,
que seja,
De gosto ou de desgosto.
Afligem-me o cair das folhas ao meu redor,
A chegada do outono, os bem-te-vis,
Tão alegres que piam ao me beliscar.
Doem-me os beliscões, que, aos poucos,
vão levando minha vermelhidão.

Eis que a caneta arrancou-lhe mais uma folha
E dolorosamente disse-lhe, nas entrelinhas:
Sempre que te afligir a ausência das coisas
- do gosto, do desgosto ou do verso -
Lembra-te da presença das estrelinhas
Tão distantes, tão pequenininhas,
Rodeadas por Deus e seus anjinhos,
Mas que nunca perdem o brilho
Mesmo em presença de tão gigantes
e celestes passarinhos!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Aftertaste

Tem coisa que trava na língua, tem coisa que trava no coração.
Vinho trava na língua; a gente come um queijo, joga conversa fora, e o amargor permanece.
Amor trava no coração; a gente dança outros tangos, assiste a outros filmes, namora em praças diferentes...
É um aftertaste adstringente não só pelo travor que abrange o corpo todo, mas pelo jugo ante o qual ficamos submetidos inconscientemente;
É um sabor cáustico, não só cáustico por ficar - às vezes, durante anos - se arrastando pelas papilas gustativas do coração, mas cáustico por ser mordaz e queimar lentamente, ironicamente;
É, acima de tudo, de lixívia, pois cai-se na barrela e se fica com a reputação repleta de nódoas e máculas, resultantes de atritos passados.
Cáustico, adstringente ou de lixívia, não é à toa que os nomes do travoso sabor de amar são tão coerentes em seus outros significados.
Ah, e no final... O amargor permanece.

domingo, 4 de outubro de 2009

Caixa de fósforos

Numa caixinha de fósforos
- tão pequena -
Há tantas oportunidades
de se fazer tanta luz.
Oportunidadezinhas
imensamente efêmeras.
Numa caixinha de oportunidade-
zinhas azuis.

sábado, 3 de outubro de 2009

A Pureza de um Homem

A pureza de um homem não deve ser medida
Pelo número de cigarros que ele não fumou,
Pelas vezes em que ele não pensou em sexo
Ou por todas as cervejas que ele deixou de beber.
A pureza do homem jamais será medida
Por critérios tão mundanos.

A pureza de um homem será sempre avaliada
Pela desesperada solicitude com a qual
ele ajuda seus amigos;
Ela deverá ser medida de acordo com sua sinceridade:
A honestidade - não apenas quanto ao dinheiro
[que caiu na calçada -
Mas a honestidade em relação aos sentimentos
e à postura diante da vida.
A simplicidade com que ele apoia quem precisa
e com que ouve quem quer falar.
A pureza de um homem há de ser sempre correlacionada
à sua indignação diante dos crimes mais hediondos
e dos pecados mais crueis.

Há poucos homens puros,
Mas estes valem por muitos de nós.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Amazonas rosa

Ali! Onde o céu do Amazonas fica rosa!
É um lugar que faz com que
Os campos de grama fiquem lisos lisos...
As árvores são voluptuosamente virgens,
E o vento é acolhedoramente frio.
Ali, no único lugar do mundo
Onde o céu do Amazonas fica rosa.

sábado, 26 de setembro de 2009

Que nem música

Julga as opções sem dó,
Ao contrário, andarás de ré.
Tem cuidado com vos amis,
Estes causam o maior bafafá...
Se queres morrer onde nasce o sol,
Trabalha sempre virado para lá
E pensa sempre apenas em si.

Seria tão chato o som da vida
se ela fosse tocada nessa ordem
tão (mono)cromática!
Ainda bem que somos feitos de
acordes dissonantes,
melodias pra lá de errantes,
erros gramaticais
e atitudes irracionais!
Que nem música,
igualzinho música...

Se render

Vive, mas não te rendas à vida
[surrender]
Ama, e te rendas sem pensar duas vezes
[surrender]
Acaba sendo tudo como um crime:
a gente nunca sabe,
[to surrender or not to]

Os Pássaros

Olha lá,
os pássaros no meu quintal
me chamando pra voar.

Vê aqui,
eu querendo ir lá voar
enquanto ainda crescem minhas asas
ao gosto amargo do caqui.

Bem-te-vi, bem que eu te avisei
o quanto seria difícil
voar
voar
voar

domingo, 20 de setembro de 2009

Quem nunca...

Quem nunca olhou sem realmente ver o que olhava?
Quem nunca deitou em colo de mãe
e percebeu que é a melhor coisa que existe?
Quem, pelo amor de Deus,
nunca deitou numa rede,
fitou o céu azul atrás das verdes palmeiras
e fechou os olhos à paz?
Quem nunca disse 'nunca mais'?
Sabe-se lá...

Quem se atreve a dizer?
Que jamais admirou o cair triste triste
da chuva;
Que se recusou a sorrir junto
ao receber um belo sorriso;
Que não sentiu o doce acolhimento
do abraço.
Alguém se atreve a dizer?

Se nunca fizeste o supracitado,
se te atreves a dizer que nunca o fizeste,
se teus olhos ainda não sentiram os olhos da vida...
Eu te imploro:
Vai lá, amigo,
vive.

domingo, 6 de setembro de 2009

Reino dos Céus

Mostra, lua, tua leitosa opulência!
Deita-te neste véu azul-marinho,
E, numa noite de domingo,
Reflete teu brilho num rio qualquer

Honrai, estrelas, a presença desta lua
Irradiai vossa luz mais que nunca
Espalhando fulgor em cada vão desejo
Iluminando a tez de cada então mulher

Homens, fazei nada além de admirar.
Calai: tornou-se o fúnebre silêncio
A melodia mais-que-perfeita.

Não é sempre que Deus nos orquestra
tal sinfonia... À manhã, tirará
do firmamento este véu,

Devolvendo o azul-claro e simplório
Ao fascinante Reino dos Céus.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Dança dos Braços

Primeiro foram os braços:
Que iam se enlaçando aos poucos
E, ao som de dizeres roucos,
Tornaram-se abraços.

Depois vieram as lentas mãos,
Desbravando cada centímetro da tez,
Desafiando a própria lucidez,
Se atrevendo contra todo o coração.

Na ignorância dos mais sábios,
Fez-se o espanto inesperado
No encostar de certos lábios;

E na incoerência dos sãos,
Fez-se a frase sem sentido
No separar de duas mãos.

domingo, 5 de julho de 2009

Despedidas

Abraço. Olhos nos olhos, cintilantes olhos, e mais um abraço.
A bagagem vai, ébria de tanto peso, até a mala do carro e, num aperta daqui e afrouxa dali, entra finalmente, não obstante desajeitada.
São uns chamegos tão doces, uns sorrisos tão curiosos, uma avassaladora enxurrada de palavras que não consegue passar da garganta; são apelidinhos carinhosos, promessas para o ano que vem, brindes do próximo ano novo.
Manda um beijo pra Fulana, dá notícias pra Sicrano e não esquece de entregar o presente de aniversário de Beltrano! E mais recados. Mais notícias, mais presentes. Mais, mais, mais... Em cada vez menos tempo - pois vai chegando a hora do voo.
Abraço. Olhos nos olhos, lacrimosos olhos, e mais um abraço.
Alguém entra no carro, um outro alguém liga o carro, aciona o taxímetro e dois corações se distanciam. Outrém chora, lembra, sente saudade e olha, até o sumir no horizonte, o partir de um carro qualquer com a placa vermelha.
Assim se despedem os pais e filhos, namorados e namoradas, amigos, parentes, colegas... Assim despedem-se os que se gostam.

De onde vem o triste

Não há, na vida, tristeza:
há ausência de felicidade.
A alegria, brinde eterno do cotidiano,
Faz-se felicidade dia por dia, todos os anos.
E ela vem à conta-gotas, pincelada,
No trabalho dos poetas e assistentes sociais,
Ela vem molhada de suor, esmigalhada.

Findo o labor,
Espera-se o confronto com a felicidade:
No semblante da mulher,
No sossego,
Ou nos tenros braços de Deus.

Descobre-se, então, que existe tristeza:
É um sentimento pobre, egoísta,
De quem desistiu de esperar a felicidade.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Um Amanhã

Espero, paciente, a chegada de um dia:
Em que, banhados de melancolia,
Nós possamos mirar o céu e ver
Que a águia da alegria
Voa livre entre nós.

Tanto lixo e tantos homens
Que se assemelham a porcos,
Mortos de fome, imundos;
Tanta gente suja, torpe,
Matanto por ganância o nosso mundo...
Vai raiar, um dia há de raiar.

Um amanhã em que o tempo irá parar,
e as cores vão, enfim, desaparecer:
Para contemplarmos o espalmar
De nossas mãos.

domingo, 28 de junho de 2009

Dos Relógios

As melhores coisas acontecem no ponteiro dos segundos.

A Solitude da Razão

Triste mesmo é a razão.
Ela, que não chora, não sorri e não namora,
Fica sempre a espreitar por aí,
A reclamar do coração.

Pudera eu apresentar-lhe a canção,
Essa agridoce companhia
Que, no enredo da melancolia,
Vem embalar os versos meus.

Faria, então, uma ode ao pensamento,
Com acordes dissonantes,
Belas frases, fino trato...

Clamaria pela presença da emoção,
Reclamando de como o mundo seria chato
Se houvesse somente a razão.

sábado, 27 de junho de 2009

Dos Trens

Enfim partiram os trens!
Levaram consigo os choros, os sorrisos;
Os abraços dos amigos,
E a saudade peculiar dos trens.

Partiram, cada qual para um caminho,
Em estradas diferentes
E paisagens tão contundentes
Que pareciam estar sozinhos.

Depois de incontáveis milhas,
Os vagões foram preenchidos:
Trechos, pedras, trilhos... Então,

Quando vão se encontrar de novo?
Ignorantes, assim vão os trens,
Esperando a próxima estação

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Entre a Língua e a Alma

Há em nós um ser descontente
Que às vezes, pisando em todos os avisos,
Atende à súplica da libido,
E nos desatina completamente.

De repente transforma o resto de nós
Em pobres coitados, sedentos,
Que choram de gozo e riem de sofrimento
A cada desamarrar de nós.

Entre o fim de uma música e o início de outra,
A sanidade que nos resta é pouca
E nos satisfazemos em nos desfazer;

Entre a língua e a alma,
Há um corpo que, sem calma,
Se encontra em nos perder.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O Querer

A ponta da minha língua te quer inteira:
da ponta dos teus pés ao céu da tua boca.
Os dentes da minha boca rasgarão tua roupa,
e eu te terei, enfim, inteira.

Então, quando te achares cansada
na fadiga do nosso momento
ou no afã que é meu contentamento,
É a mim que terminarás abraçada.

As pontas dos meus dedos vão navegar,
como no mar, os teus cabelos;
E eu fecharei meus olhos sem medo de naufragar.

Assim, quando perdermos o senso do mundo consciente,
nos acharemos agarradinhos:
não só em cama, mas também em mente.

sábado, 25 de abril de 2009

A Verdade sobre a Vida

A grande verdade é que a vida muda e te muda. Cada dia ela vai um pouquinho mais para o lado e, quando tu vês, ela está de cabeça para baixo e nem percebeste...

Das Horas

Tudo que é singular e finito é indispensável... Todo amor é singular; se é finito ou não, depende de cada amor.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

quarta-feira, 15 de abril de 2009

domingo, 29 de março de 2009

segunda-feira, 23 de março de 2009

A Gente

A gente é engraçado... Não?
É sim.
A gente fica se preocupando, estudando, se projetando.
A gente passa anos e anos planejando tudo nos mínimos detalhes, abrindo mão de algumas coisas para que portas sejam abertas para outras; a gente emputece Deus e o mundo para que nossas vontades sejam feitas; a gente rala, a gente sofre, trabalha, folga, trabalha...
A gente faz mil e um documentários sobre a origem da vida, e o que realmente sabe?
A gente finge que sabe sobre Física e Química... A gente pariu todos aqueles grandes gênios da Ciência que estabeleceram regras com base no que eles achavam ser verdade. A gente é a puta que os pariu... E o fato é que a gente nem tem certeza das coisas.
A gente pensa que é dono do mar, dono da terra, dono do céu; e não é proprietário nem do próprio nariz. Às vezes a gente nem pensa, vê só.
A gente não sabe de nada.

domingo, 8 de março de 2009

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Dos Amigos

Amigos são as piores pessoas do mundo.
Sem eles, seríamos os melhores generais, os melhores presidentes, os melhores criminosos, os melhores filhos, os melhores pais, as melhores mães, os melhores irmãos...
Sem eles, indubitavelmente seríamos todos os melhores alunos de uma classe que nem precisaria de professor, disciplina, controle, silêncio.
Sem eles nós seríamos mais saudáveis, mais fortes, mais inteligentes, mais dedicados, solteiros.
O que seríamos sem nossos amigos?
Seríamos completos por fora,
E vazios por dentro.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Vilarejo Íntimo

Dedicado.

No íntimo vilarejo de mim
Conto nos dedos todos os meus desejos.
Desejo de estar, de não sentir medo
Do íntimo vilarejo que há aqui.

Quando entro nas casas de meu vilarejo
Procuro um sentido, um ego perdido,
Escancaro as janelas dos sonhos partidos
E nada vejo senão ruelas daquilo que rejo.

Na última barca deixando o vilarejo
Vejo na água tez que desconheço
E tenho comigo derradeiro lampejo:

Tiro de mim o mais ignoto defeito
E inconscientemente o afogo,
Trazendo à tona alguém sabidamente imperfeito.

Só Em Caso de Incêndio

As intimidantes labaredas de fogo cuspiam toda a sua ira pelos ares daquela vizinhança onde havia, há poucas horas, uma bela residência. A estrutura de madeira gritava por socorro em um irritante farfalhar que parecia ser um réquiem para o homem que ali morava. Homem não mais; apenas a desesperada carne consumida por calor... Algo que virá a se tornar um frio vaso de cinzas.
O espetáculo das ardentes chamas reluzia em fascinados olhos à espera de qualquer ato final que envolvesse a aflição do homem e a fúria do ardor que tudo suprimia; a fumaça cinzenta dali proveniente pincelava o negro céu com estúpidos tons de agonia e soprava uma baforada que desencadeava sinfonias de tosse regadas à lagrima.
Não havia lágrima suficiente para apagar brasa, angústia ou raiva.
Não havia ombro o bastante para enxugar tanto choro.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Mudanças

Por que mudaste, querida?
Eras tão complexa, tão temida.
Não chegava ao teu pé o requinte francês,
Nem tanto a simplicidade do inglês.
Agora, na rubrica de um analfabeto,
Perdeste teu soneto predileto.
(Seja lá qual for)

Das Conversas que Não Terminam

Os amigos beberão até que não mais possam
Defender suas incríveis ideias;
Os políticos inutilmente gritarão.
Aqui ou lá do outro lado do mundo,
A conversa para:
Ao som de bomba ou ao som de bala;
Para sem ponto final toda a oratória.
Conseguirá alguém terminar a fala?
Haverá, então, uma solução?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Da Água que Cai

Sempre que chove
A alma chora.
Late como cão sem dono;
Dói... e ela adora.
Na incansável busca por qualquer
- quem sabe? -
inexistente tristeza,
Ela acha num poeminha falido
Um fiapo de beleza!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Nova Ordem

Se ideia não tem mais acento
Como formulo eu o pensamento?
Calma, meu bem, não tema;
Ainda estamos aqui, o que caiu foi o trema.
Agora que tudo é menos complicadinho
É só tirar o hífen
- e ficamos maisjuntinhos.

Teorema

A gente não é uma equação de matemática:
Muitas vezes a teoria difere à prática...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Caderno

Meu caderno de rascunhos é um oceano,
Um infinito de amores imperfeitos:
Amores de um só
E cupidos com defeito.

Minha pasta de músicas está cheia:
Cheia de bossas incompletas;
Baladas inacabadas;
Sonetos de mil estrofes.

Minha virgem dos olhos de menta tarda a chegar
E a me dar um beijo com gostinho de cânfora
Que eu nunca sentirei.

... E a me puxar para o seu abraçar:
Abraço com aroma de sândalo
Que eu nunca abraçarei.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Homem ao Mar

Em cada porto em que paro
Disparo tiros de felicidade e tristeza.
E assim o meu navio parte:
De lua em lua;
De marte em marte.
As minhas certezas e incertezas
Se dissolvem em um mar de desilusão,
E aos poucos descubro em quais capitães posso confiar;
Em que praias posso aportar;
Com que belezas posso me entreter.
Vou então me conhecendo nesse fascinante oceano...
Isso que chamamos de "vida".

@ Alto Mar

Porto

De cada lugar que deixo para trás
Levo um sentimento cada vez mais distante e remoto
Das lembrancas que vivi.
Uma briga, um carinho;
Uma foto ou o souvenir mais pobrezinho...
Qualquer coisa que me traga de volta as tão negras,
brancas e pardas peles que conheci.
E do porto se parte
Num gesto, numa arte
Que só vendo para saber.

@ Jamaica