quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Esquecimento

Lembro-me do teu riso
E com ele, das tuas rugas
Tão vis, demonstram fugas
Da tua história sem juízo

Lembro-me do teu olhar
De cigana filha da puta
De atitude hostil e astuta
Que vi dos olhos num piscar

E sobreveio esquecimento
Página lida e virada
Tua gargalhada de felicidade

Cujo som me dava saudade
Já é música esquecida
Nas entranhas do lamento.



Quem é musa

Essa ardilosa moça pensa
Que minha arte é para ela
Que quando faço uma tela
É nela em que tenho crença

Ah, moça tão ambiciosa
Interpreta todos os versos
Como se seus fossem, certos
Independente do tipo de prosa

Mania de todas as musas
De levar ao pé da letra
Toda singular palavra

Sem saber que a pá que lavra
E que nos versos penetra
Não é a mesma que ela usa.


Vinho

A gente era um vinho bom
Fino tinto seco: frutado
Sabor forte, encorpado
Cabernet Sauvignon

Garrafa veio fechada, assim:
Safra 2011, boa colheita
De tantas vinhas, a eleita
Foste tu, e de ti, a mim

Inventamos de nos abrir
Sair, imprudentes, da adega
E tu de mim te embriagaste

Do sabor travoso gostaste
E ficamos ébrios, às cegas
Quando a garrafa teve fim.

Oi, disse ela.

Oi, ela disse, e então dançou
Rodopiou, deu-lhe um beijo
No ouvido, batom vermelho
Pegou sua mão e o abraçou

Ele sorriu, em resposta
Mão agilmente na cintura
Ela, sem pudor ou candura
Pisca o olho, dá as costas

E vai, então, embora
Cessa o seu rodopio
Olhar furtivo, fly away

Cala a boca, sem um pio
O que quer? Não sei.
Vai voltar? Demora?

domingo, 5 de maio de 2013

Ocaso

Deita-se o sol sobre o azul lençol do mar:
Dá a gaivota o seu sobrevoo terminal
Despede-se do horizonte e do calor
A despedida dá uma saudade, uma dor!
Mas amanhã há de novo, não faz mal
Faz bem demais o pôr-do-sol amar!

Soneto do Porto

Vejo-te como num sonho distante:
É nostalgia, vontade da tua brisa fria,
Do teu cheiro de mar e rio que inebria,
Do som do fado, do vinho, da ponte.

Tenho-te como um lar de outra vida
Onde tive mãe e pai, amigos, história
Lembro-me das tuas ruas e da tua glória
És do coração uma cidade querida

Certo dia visitarei a Ribeira, a Foz...
Tomarei um saboroso porto rubi
Eu e tu, Porto, a sós

Andarei nos Aliados, sentirei teu jeito
Da primeira vez, não sei por que parti!
Mas agora partirei satisfeito.

Esfinge

Decifro-te, ou me devoras, esfinge:
Mas és tão indecifrável!
Esta tua timidez, inquebrantável,
É quebra-cabeça complicado deveras...

Teu silêncio é brisa que arrebata:
No âmago de tua avassaladora ingenuidade,
Receio dizer-te, é verdade
Que reside a essência de minha insegurança.

Toco tua mão, infinita maciez
E, sem saber o que pensas,
Firo-me profundamente:

É sim, não, talvez...?
Não sei é acidente, ou se tu mesma tentas
Agredir-me tão fortemente a mente!

quinta-feira, 21 de março de 2013

Semana de provas

Quando eu te disse adeus,
Entrei em semana de provas.
Mas não dos saberes meus:
Eram outras provas, novas...

Na segunda, foi prova de melancolia:
Escrevi laudas de tristeza
Recordava-me da tua pureza
Entre pontadas de nostalgia.

Na terça, tive prova de pranto:
Enchi mesmo uma piscina!
Com a dor da minha sina
De cantar para ti meu triste canto.

Na quarta, tive prova de fúria:
Blasfemei várias vezes teu nome,
Joguei às traças o teu sobrenome
Perfumando-o de injúrias.

Na quinta, tive prova de remorso:
Repeti em mente tudo o que disse
Foi sandice? Burrice? Tolice?
Não sei, as palavras distorço...

Na sexta, tive prova de euforia:
Mas a excitação era falsa!
Não era nada como a valsa
Que dançávamos com alegria.

No sábado, tive prova de calma:
Fechei a janela do coração
E rezei, de prontidão
Pedindo para deus acalentar-me a alma.

No domingo, tive prova de resiliência.
Doeu, mas fui forte e consegui
Apaziguar toda a dor que senti
Quando me dei conta de tua ausência.

Em todas as provas que fiz, passei
Recebi summa cum laude
O mundo inteiro aplaude!
Porque eu enfim te superei.

domingo, 17 de março de 2013

Velório sem defunto

Prestai atenção ao anúncio
Dos violinos da melancolia
E do piano que, enfim, dizia:
Começou a orquestra do silêncio.

Escutai o diálogo entre os mudos
Palavras de tristeza e solitude
Que, em toda sua magnitude,
Pareciam a música dos surdos.

Fervei no calor da multidão
Escorai entre milhares...
Sempre em solidão.

Dai adeus, neste velório sem defunto,
Àqueles antigos luares, e entrai
No mundo das conversas sem assunto.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O enterro do sambista

Sapato lustrado, chapéu na cabeça e terno de linho!
Rodeado de coroas, de flores:
Era rei do samba, maestro de amores
Poeta da flor e trovador do espinho.

Jaz aqui nosso ilustre sambista,
Na pedra fria do fim da vida
Tão diferente da nossa avenida!
Não vai mais sambar na pista...

Chora, cuíca!
Chora, cavaco!
Chora, pandeiro!

De corpo e alma arrebentados
Chorai, ó samba, teu canto derradeiro:
Morreu nosso sambista primeiro
O mais querido e bem amado!


Existência breve

O sopro da vida de repente se esvai
A alma finda a existência
Encerra-se tristemente a vivência
De uma vida tão breve, ai! 

Deixa-se de simplesmente ser:
Estudante, filho, amigo
Inexiste a noção de novo ou antigo
Resta somente o não-ser

Acaba o "teria sido":
Advogado, médico, engenheiro
O futuro queda-se perdido!

Não importa mais dinheiro
Somente o choro leve
De um fim de existência breve.